Conjuntura Políticas de Saúde

Por Que a Reforma da Previdência é um Problema de Saúde Pública? No ratings yet.

Tramita no Congresso Nacional a proposta de Michel Temer de Reforma da Previdência.
Fundada no mito do rombo da previdência, a proposta visa tentar diminuir os gastos públicos, usando como argumento o envelhecimento da população.
O que muda?
A proposta tem como pontos principais¹:
  • Idade mínima de 65 anos para aposentadoria;
  • Homens e mulheres passam a aposentar com a mesma idade;
  • Tempo mínimo de contribuição de 25 anos;
  • Exigência de 49 anos de contribuição para aposentadoria integral;
Atualmente, não há idade mínima para aposentadoria. Para receber o valor integral, na regra de hoje, é necessário que o tempo de contribuição somado à idade seja igual a 85 para mulheres e 95 para homens.
Ou seja, no sistema atual, uma mulher que começa a trabalhar com 20 anos, pode se aposentar com recebimento de valor integral aos 53 anos. Se a nova regra for aprovada, essa mesma pessoa só poderia aposentar-se com valor integral aos 69 anos.

O mito do rombo da previdência

O grande argumento usado pela presidência da República é que a previdência gasta mais do que arrecada. Essa afirmação é repetida há muitos anos pelos mais diversos governantes como razão para tentar sustentar uma reforma nas regras da aposentadoria.
Existem, porém, alguns argumentos que permitem questionar se esse rombo é real.
Quando o governo argumenta que existe déficit (ou seja, sai mais dinheiro do que entra para as aposentadorias) ele considera que a arrecadação correspondente aos gastos com a previdência é exclusivamente da Contribuição ao INSS, valor cobrado do salário de todos os trabalhadores com carteira assinada. Nesse caso, usando dados de 2014 como referência, a arrecadação do INSS foram 349 bilhões, enquanto os gastos com aposentadoria chegaram a 394 bilhões.²
A Constituição brasileira, porém, em seu artigos 194 a 204, trata da SEGURIDADE SOCIAL, que é o conjunto de ações dos Poderes Públicos formado pela saúde pública, pela assistência social e pela previdência.
Ou seja, a previdência é parte de um pacote de direitos. A legislação, porém, não diz que a previdência deve ser paga exclusivamente pelo INSS, mas sim que existe um conjunto de impostos e contribuições que devem financiar a seguridade como um todo. Ou seja, não devemos pensar que o INSS deve pagar sozinho a previdência, mas sim que INSS, CSLL, CONFINS, PIS PASEP e Concursos prognósticos devem pagar, juntos, a previdência, a saúde pública e a assistência social. Pensando assim, a conta muda e (usando 2014 novamente como referência) arrecadou-se 686 bilhões de reais e gastou-se 632, levando a um superávit (sobra de dinheiro) de 54 bilhões de reais
Na prática, porém, esse superávit não chega a existir. Desde 1994, existe um mecanismo legislativo que permite que gastos destinados a determinadas áreas podem ter 20% de seu valor destinados à outros destinos. Essa é Desvinculação das Receitas da União, a DRU. Na prática, desde o surgimento da DRU, parte do valor da seguridade é removido e destinado majoritariamente a gastos com a Dívida Pública. Ou seja, é o dinheiro do SUS, da aposentadoria e da assistência social destinado a pagamento de títulos públicos comprados predominantemente pelos grandes bancos mundiais.
Em 2016, a DRU foi renovada até 2023 e teve seu valor aumentado para 30%.
Tais argumentos, como a falsa destinação exclusiva do INSS para a previdência e a DRU drenando dezenas de bilhões anuais do orçamento de direitos públicos mostram que o rombo na previdência existe, sim, mas ele é um projeto político (que lucra com a precarização de direitos) e não uma questão orçamentária.

Previdência e saúde

Considerando a análise apresentada, para conseguir fechar as contas o poder executivo teria duas alternativas: (1) deixar de aplicar a DRU aos gastos com direitos público, aumentando o orçamento de saúde, aposentadoria e assistência e diminuindo os gastos com a dívida pública ou (2) cortar gastos com direitos da população. A escolha foi óbvia e o governo criou uma série de reformas com o objetivo de reduzir gastos públicos, como a PEC 241/55 e a Reforma da Previdência.
Fora dos Palácios do governo, tais medidas afetam diretamente a saúde. Usando a compreensão de que o trabalho é um fator de adoecimento da população, principalmente da população mais pobre que é submetida a condições de trabalho precarizadas, o vínculo entre mais tempo trabalhando e maior adoecimento é óbvio. No exemplo dado no início desse texto, de uma mulher que inicia a vida profissional aos 20 anos, a nova lei acrescentaria 16 anos de trabalho para aposentadoria integral.
A situação torna-se mais alarmante quando se atenta para a expectativa de vida da população. Usando a pesquisa publicada pela Rede Nossa São Paulo, no Mapa da Desigualdade 2015, a diferença entre a expectativa de vida entre os bairros mais ricos e mais pobres da capital paulista chega a 20 anos. Segundo essa mesma pesquisa, dos 96 distritos da capital, 36 têm expectativa de vida menor do que 65 anos, idade mínima para aposentadoria na proposta de Temer.
Com o aumento da expectativa de vida, elevou-se também a prevalência de doenças crônicas, que em sua maioria são desenvolvidas na velhice, com a prevista reforma da previdência os anos vividos sem nenhuma morbidade após a aposentadoria diminuem.
É importante que o conceito de DALY (anos de vida ajustados para incapacidade) seja colocado na análise do tema, ele é calculado a partir da expectativa de vida, da mortalidade e da ocorrência de agravos que levam a incapacidade, em estudo no país em 2008, foi observado uma taxa masculina de 208 DALY/mil, enquanto as mulheres apresentaram 183 DALY/mil, esses números significam que a cada mil homens são deixados de viver 208 anos de vida saudável em relação à expectativa de vida esperada e entre as mulheres 183 anos de vida, em razão de morbimortalidades (LEITE et al, 2008).
Ainda, é necessário pontuar o trabalho como um forte contribuinte para o processo de adoecimento da população, no sistema em que estamos inseridos o trabalhador é visto como máquina e como coisa rentável, a partir do momento em que o mesmo se retira do mercado de trabalho se torna descartável ao sistema e isso acarreta uma maior falta de preocupação com sua saúde. Muitas das doenças que ocorrem são frutos de toda uma vida usada para trabalhar e auxiliar no giro do capital, por isso o trabalho na lógica de produção atual é um fator para o processo de adoecimento.
Uma população privada do seu direito ao descanso é uma população sem saúde. A partir do momento em que o Estado propõe uma medida que deixará uma enorme parte da população morrer antes da aposentadoria, fica urgente o debate acerca do próprio formato do Estado.
É necessário, portanto, entender a Reforma da Previdência como uma problema de saúde pública, que legitima o adoecimento da classe trabalhadora como mal necessário para sustentar uma suposta harmonia financeira estatal.
REFERÊNCIAS:
  1. http://www.previdencia.gov.br/wp-content/uploads/2016/12/Cartilha-Reforma-da-Previd%C3%AAncia-vf.pdf
  2. http://www.anfip.org.br/doc/publicacoes/20160304142713_Analise-da-Seguridade-Social-Tabelas_04-03-2016_analise_tabelas_b.pdf
  3. LEITE, Iuri da Costa et al. Carga de doença no Brasil e suas regiões, 2008. Cad Saúde Pública, p. 1551-1564, 2015.
  4. http://www.anfip.org.br/doc/publicacoes/20150713162859_Analise-da-Seguridade-Social-2014_13-07-2015_20150710-Anlise-Seguridade-2014-Verso-Final.pdf

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