A extensão universitária é descrita como meio pelo qual o conhecimento produzido pela universidade se aproxima da sociedade. Devemos, porém, superar essa visão e enxergar além. Afinal, qual a origem do afastamento entre universidade e sociedade? Qual o papel da extensão universitária nesse cenário?
O conhecimento produzido pela universidade não é neutro. Desde sua origem, a universidade cumpre determinadas funções em nossa sociedade, que é dividida em duas classes sociais: os trabalhadores, que vendem sua força de trabalho e, quanto mais riquezas criam, mais pobres de espírito se tornam; e a burguesia, os donos dos meios de produção, que lucram com a exploração e se apropriam de toda riqueza produzida pelos trabalhadores. Para manter a sociedade com essa distinção de classes e com todo o maquinário que produz e reproduz esse sistema, a burguesia conta com aparatos como o Estado, a mídia e a própria universidade, que “legitimam” as coisas como são e as tornam reconhecidas como “naturais”, tornando interesses burgueses como universais.
A universidade organiza todo o conhecimento adquirido pela humanidade e filtra o que tem ou não relevância para a manutenção do capitalismo. Cabe, também, manter privilégios e legitimar a exclusão social através de um sistema meritocrático, em que a uma pequena parcela da sociedade é dada a ilusão de ascensão social. Esse processo ocorre em um campo individual, passando a imagem de que todos têm as mesmas oportunidades de ascensão social, mascarando-se a verdadeira estrutura dessa sociedade, dividida em duas classes antagônicas e irreconciliáveis. Além de produzir mão de obra qualificada aos avanços tecnológicos, cabe também à universidade a formação de burocratas capazes de gerir a sociedade, mantendo a hegemonia burguesa. Através dessa especialização, também se justifica a divisão do trabalho entre manual-braçal e intelectual, sendo este mais reconhecido e, portanto, melhor remunerado. Reconhecendo essas funções que cabem ao atual modelo de universidade, sua máscara de neutralidade desaparece.
Com isso, partindo da definição de que extensão universitária é um dos pilares do tripé universitário, responsável pela articulação entre o ensino e a pesquisa de forma indissociável e responsável pela ligação da universidade à sociedade, podemos questionar qual o verdadeiro caráter da extensão universitária. Se o conhecimento produzido pela universidade é um conhecimento limitado à manutenção da ordem vigente, leva-lo para além da universidade não é o suficiente para uma verdadeira transformação social. Qual a função da extensão universitária nesse processo?
A origem de extensão universitária está relacionada aos movimentos operários na Europa do século XX, quando os trabalhadores reivindicaram o conhecimento armazenado na universidade. Surgem nesse momento as “universidades populares”, que tinham como função levar conhecimentos tecnicistas à população. Mesmo nesse momento a universidade não é universalizada, mantém-se restrita a poucos, levando fragmentos do seu conhecimento aos trabalhadores. Foi em 1918, na Argentina, que a universidade se liga verdadeiramente aos movimentos sociais através do Movimento de Córdoba. Em seu manifesto, o Movimento de Córdoba exige um olhar mais atento para as demandas da população, além de reconhecer a importância de a universidade se colocar junto aos movimentos sociais em sua organização por reivindicações autênticas da classe trabalhadora. Em 1968, essa mobilização estudantil se repete nas revoltas francesas.
Apesar do cenário favorável a mudanças profundas na universidade, o capitalismo absorveu essas reivindicações, porém, tornou a extensão uma via de mão única, em que a universidade, a “verdadeira detentora de conhecimento” se inseriu na comunidade levando migalhas aos trabalhadores. A própria ditadura civil-militar usa a extensão e cria projetos de caráter assistencialista como Operação Mauá e Projeto Rondon, em que cria vínculos momentâneos entre os estudantes e a sociedade, “abafando” os anseios por mudanças maiores. Praticamente uma prestação de serviço.
Esse caráter assistencialista é o que perdura na universidade brasileira, especialmente no curso de medicina, com projetos que se findam em, por exemplo, medir a pressão arterial de uma comunidade. Assim como devemos ver o paciente para além da doença, para além da queixa principal, também deve a extensão superar o imediatismo: agir nas relações que se estabelecem na população.
Apesar de servir à ordem burguesa, a universidade também não consegue ocultar a luta de classes e seus confrontos. E aí cabe nosso papel, de reconhecer as possibilidades e usar a extensão em seu caráter popular como linha de fronte de disputa do conhecimento produzido na universidade para que ele seja embasado nas demandas dos trabalhadores e seja usufruído por estes. É por isso que a extensão universitária está em disputa. Se por um lado existe a extensão de caráter assistencialista, no outro lado temos a proposta da Extensão Popular. Popular no sentido de ter sua origem e sua finalidade voltadas a classe trabalhadora. É a Extensão Popular que se coloca ao lado dos trabalhadores e se coloca com a função de, através da Educação Popular, mobilizá-los para que se reconheçam enquanto sujeitos históricos capazes de se organizarem com uma intencionalidade história de superar essa sociedade. Podemos reconhecer a Extensão Popular como um trabalho, em que o produto é uma transformação bilateral: ao passo que o estudante se insere em uma comunidade e ajuda a transformá-la, ele se transforma também, tendo como síntese a construção de uma cultura contra hegemônica.
A Extensão Popular só existe quando há um projeto político norteador, sendo seu desejo a emancipação de todos os indivíduos de todas as relações de exploração e opressão às quais estejam submetidos, permitindo que todo o conhecimento produzido pela humanidade seja de alcance a todos e todas – e assim, só assim o gênero humano será verdadeiramente livre. Quando essa nova cultura existir e se tornar hegemônica, não fará sentido falar de extensão universitária, pois o conhecimento será livre para todos.
Laís C. Krasniak
Estudante da Universidade Federal de Santa Catarina, coordenadora de Extensão Universitária (CExU) e Coordenadora Regional Sul 1 – 2015.