Conjuntura Políticas de Saúde

De Que Lado Você Estará Quando Tudo Isso Virar História – Análise de Conjuntura No ratings yet.

Mais do que mero espectador passivo, o estudante tem responsabilidade histórica pela construção do momento político em que vive. Foram diversos os episódios na política nacional e mundial em que a juventude foi pilar fundamental da resistência e da luta por mudanças.

Pensando assim, a Direção Executiva Nacional dos Estudantes de Medicina (DENEM) entende como fundamental a construção de uma profunda reflexão acerca do momento político pelo qual o Brasil passa. É com base no pensamento crítico e no debate sem medo que nós, estudantes, assumimos para nós a função de construir nos nossos locais de estudo e, principalmente, nas ruas um novo momento histórico.

A conjuntura é crítica: as contrarreformas do governo Temer já impactam diretamente na vida e na saúde da população. Para que os lucros das camadas mais altas da sociedade sejam garantidos – e até ampliados – nos momentos de crise, passam a ganhar os holofotes do poder público e da mídia os cortes, os ajustes e as políticas de austeridade. Se nos corredores dos palácios de Brasília essas mudanças não passam de números em planilhas expostas, no SUS e nas Universidades nós já percebemos os impactos de cada canetada.

O congelamento dos investimentos imposto pela EC 951 foi um golpe violento contra a Saúde e Educação Pública brasileiras. O desinvestimento crônico sofrido pelo SUS assume uma intensidade jamais vista desde a sua criação. Redução de equipes, falta de profissionais e equipamentos, contratações “flexíveis” e a despriorização da estratégia Saúde da Família são a nova tônica das políticas de saúde desde a imposição da nova Política Nacional de Atenção Básica2 pelo então Ministro da Saúde Ricardo Barros (PP/PR).

Nas Universidades públicas a realidade não é diferente: contratações congeladas, fechamento de cursos e abandono em infraestrutura são realidade na grande parte do território brasileiro, bem como cortes de bolsas de pesquisa, aumento do custo de restaurantes universitários e redução drástica de bolsas voltadas para a permanência estudantil demonstram um projeto de elitização da universidade ainda em curso. Ao mesmo tempo, as Universidades pagas e os planos de saúde têm os lucros protegidos por acordos com o governo. A privatização da saúde não se dará com placas de “Vende-se” nos postos de saúde e Universidades brasileiras, mas na reprodução acrítica de que “precisamos inovar na gestão”, discurso usado, por exemplo, para legitimar a implantação e ampliação da EBSERH desde 2011.

Não é novidade que o Poder Executivo assume, até mesmo durante os governos petistas, uma ofensiva nas políticas de austeridade, com apoio incondicional de um Legislativo extremamente conservador e despreparado, como ficou notável no fatídico episódio da votação do impeachment na Câmara dos Deputados. Desde esse golpe político-midiático, observamos a ascensão do conservadorismo e aprofundamento do neoliberalismo no país, materializado na figura do governo Temer. Estamos vivendo as tentativas da aprovação da Reforma da Previdência3, vimos à destruição dos direitos trabalhistas consolidados CLT4 e a aprovação do novo regime fiscal. Somado a isso, vimos o crescimento das direitas brasileiras, que seguem disputando a base da população com projetos ultraliberais e autoritários. O fato de Bolsonaro seguir com 20% das intenções de votos em ano eleitoral mostra o assustador crescimento de um discurso conservador entre a população, o que impacta ainda mais num contexto de intervenção militar no Rio de Janeiro.

Nos últimos meses observamos, para além disso, um Poder Judiciário que também não se envergonha em assumir seu papel ativo de influência no cenário político e eleitoral nacional. Nesse sentido, a votação do pedido de Habeas Corpus do ex-presidente Lula, atrelada a uma reavaliação da decisão do STF sobre a prisão após condenação em segunda instância sem trânsito em julgado, escancarou o que já era óbvio: o Direito tem lado e já conhecida e crescente judicialização da política tem um compromisso muito maior e fiel com os andares de cima da sociedade brasileira do que com a justiça e a democracia que supostamente defendem. A liberação do mandado de prisão pelo juiz Sérgio Moro e a então prisão de Lula sem provas cabais de seu envolvimento no caso Triplex configura uma prisão feita na ilegalidade, mostrando a fragilidade de uma Justiça que age segundo os interesses de patrões.

Não podemos, porém, nos iludir. O judiciário sempre teve lado na história brasileira. A prisão de Lula é mais uma em meio a diversas violências diárias sustentadas por um direito forjado num sistema político que não tem (e nunca teve) a classe trabalhadora como protagonista, como também representa um novo ataque à democracia, ainda mais contundente e agressivo. Num contexto de avanço de medidas autoritárias e ultraliberais, ver a política sendo judicializada para minar candidaturas às eleições de 2018 e destruir a imagem de uma liderança popular nos alarma para o aprofundamento das contrarreformas e retirada de direitos no Brasil num futuro que pode não se configurar como tão distante.

Apesar de não expressarem uma novidade, os últimos acontecimentos merecem atenção especial daqueles que lutam por uma nova hegemonia. Mais do que Lula, a ofensiva representada por essa prisão é, também, contra os movimentos sociais, contra o movimento estudantil e contra as ideias de esquerda como um todo. É contra qualquer um que não esteja no topo da pirâmide social. Lula, em seus anos de governo, cedeu para a institucionalidade e adotou práticas conciliadoras para com o grande empresariado. Se é esse tipo de ataque que se volta para um conciliador, o que farão conosco? O que farão com aqueles que se recusam a capitular para instituições burguesas, que buscam o enfrentamento direto e que acreditam em mudanças radicais protagonizadas pelo povo nas ruas?

Com a execução de Marielle Franco no Rio de Janeiro, fica claro que a proposta desse novo golpe é também de silenciamento das minorias frente aos retrocessos vigentes. A única vereadora negra do município do Rio de Janeiro foi brutalmente assassinada na noite do dia 14 de março deste ano. Marielle era conhecida pelo seu trabalho incansável contra o genocídio da população negra no país, em defesa dos direitos humanos e de uma sociedade de novo tipo. Esse mesmo trabalho custou a sua vida, mas as vítimas não param por aí. A Intervenção Federal no Rio de Janeiro só está intensificando e reafirmando uma política de segurança falida que está focada no combate ao povo negro nas favelas e periferias do mesmo estado.

E, não nos iludamos, apesar da conjuntura parecer caótica, a ofensiva também é contra o movimento estudantil. É contra qualquer um que não esteja no topo da pirâmide social. Por isso, mais do que nunca, é hora de mobilização. É hora de nos debruçarmos sobre a realidade nacional e organizarmos a luta em nossos locais de estudo, trabalho e moradia. É hora de ocupar nossos Centros e Diretórios Acadêmicos com o debate político – que é, acima de tudo, um debate sobre saúde. Nossas tarefas para o período estão diante de nossos olhos: é tempo de reorganização da esquerda num bloco de lutas pela defesa dos nossos direitos e da democracia e, sobretudo, pela sociedade que almejamos! É hora de deixarmos de ver a rua como um local de passagem e passarmos a enxergá-la como o local em que devemos ocupar. Sob sol, chuva, bomba… o Movimento Estudantil deve estar nas ruas, aliado aos movimentos sociais e populares, na construção de espaços de mobilizações constantes, sendo capaz de lutar contra os retrocessos em curso, garantir nossos direitos conquistados e exigir a transformação social.
De que lado você estará quando tudo isso virar história?

 

 

REFERÊNCIAS

1. Que tempos são esses? – Análise de Conjuntura aprovada no XLVII ECEM, 2017.

2. A Reforma da Política Nacional de Atenção Básica: mais um golpe contra o SUS – DENEM, 2017.

3. Por que a reforma da previdência é um problema da saúde pública? – DENEM, 2017.

4. Adoecimento, trabalho e terceirização – DENEM, 2017.

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