Conjuntura Políticas de Saúde

Sobre Saúde e Sociedade: Mas Afinal o que é Saúde? No ratings yet.

Nesta semana, no dia 7 de abril, celebramos o Dia Mundial da Saúde, instituído há sete décadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Mas afinal, o que é saúde?

Ao longo do tempo, diferentes modelos foram utilizados para definir saúde e doença no ocidente, de acordo com os elementos materiais da sociedade de cada época. Na Grécia Antiga, por exemplo, os conceitos estavam representados na divindidade grega por meio de Asclépio, deus da medicina e aprendiz do centauro Quíron, e de suas filhas, Higea e Panacea: a primeira, deusa da saúde e do equilíbrio do corpo com o ambiente (de onde deriva higiene); a segunda, deusa da cura, do remédio para todos os males (de onde se deriva a tradição ocidental de cura farmacológica). Explicação concreta do adoecer é encontrada na muito difundida através dos anos teoria miasmática, na qual os miasmas, conjunto de odores fétidos provenientes de matéria orgânica em putrefação nos solos e lençóis freáticos contaminados, eram os causadores da doença. Mais tarde, essa teoria já não era capaz de explicar vários aspectos, então, a partir do século 19, com a identificação de micro-organismos por Pasteur, surge a teoria unicausal, na qual para cada doença existe um agente específico. Com os avanços nos conhecimentos de fisiologia, patologia, microbiologia e bioquímica, esse modelo se estrutura no modelo biomédico, que define saúde como a ausência de doença, sendo que até hoje esse modelo não foi completamente superado. Em meados do século 20, no entanto, a teoria multicausal ganha espaço, defendendo que as doenças são causadas por diversos fatores que se relacionam. A princípio, identificou-se as esferas biológica, psicológica e social dos indivíduos, com o modelo biopsicossocial para explicar a saúde, sendo essa definida como o completo bem-estar em todas essas esferas – modelo ainda muito forte atualmente.

É na década de 1970 que ganha força na América Latina um modelo que supera os limites da multicausalidade, trazendo a dimensão coletiva como produtora e reprodutora das formas de adoecimento e de saúde. Assim, saúde e doença deixam de ser um fator social – parcial e isolado – para ser um processo social – estrutural e coletivo -, em um entendimento que o processo biológico de desgaste e reprodução ocorre diferente em cada grupo de acordo com seu lugar dentro da organização social vigente. Para essa definição, a compreensão da infraestrutura social é essencial para entender as diferentes formas de adoecer dentro dessa sociedade. Ora, vivemos em uma sociedade baseada na exploração dos trabalhadores pelos detentores da propriedade privada dos meios de produção e sustentada pelas opressões estruturais – racismo e patriarcado. Dessa forma, o processo saúde-doença dentro dessa sociedade é diferente para as diferentes classes – ainda mais gritante se observamos os segmentos oprimidos. Temos no modelo de determinação social do processo saúde-doença a compreensão que, para a maioria esmagadora da sociedade, a mudança dessa estrutura social, responsável por seu adoecimento, é necessária.

Esse modelo consegue explicar diversos pontos que não eram abordados pelo anterior, entretanto, sua solução “terapêutica” incomoda a quem o atual sistema favorece. Dessa forma, desenvolver um modelo que contemple as faltas do anterior sem propor a mudança radical da estrutura como solução, urge como necessidade desses. Nasce, assim, o modelo de determinantes sociais em saúde, no qual existem camadas de fatores de risco para a saúde – desde aquelas que expressam as características individuais até o contexto socioeconômico e político. Adota-se uma perspectiva reducionista e fragmentada da realidade social, ao converter a estrutura social a que estamos sujeitos somente em mais um fator de risco, cumprindo exatamente o papel a que foi criado: dificultar o pensamento crítico sobre a essência da organização social da sociedade de mercado e do regime de acumulação capitalista no qual vivemos e seus impactos na saúde.

Além disso, é importante entender qual a posição que nosso país ocupa dentro da Ordem Mundial. Assim, rememorando a história do Brasil, tem-se que com o “descobrimento”, a exploração e a colonização de nosso território por Portugal, estivemos por um grande período subjugados ao poderio de uma metrópole, que não se encerra com a independência do país (promovida pela própria Família Real Portuguesa), nem com o fim do Império, pois as elites rurais que dominam a economia passaram a governar o país (e seguem até os dias atuais), representando seus interesses – ligados diretamente aos interesses das nações centrais na economia internacional, já que não passamos pelo processo de acumulação primitiva do capital como os países centrais exploradores. Assim, exercemos nosso papel como periferia na atual ordem, pois somos diretamente dependentes da importação dos países do centro. Durante a crise econômica que assolou os países periféricos da ordem (como o Brasil) na segunda metade do século XX, as instituições financeiras internacionais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial (BM), começam a ressignificar a dívida desses países (dos quais são credores), utilizando-a como mecanismo econômico para coagir os países devedores a adotarem as políticas públicas que determinam, inclusive na saúde, sendo essa mais uma das formas de garantir a hegemonia dos países de centro para com os da periferia.

Exemplo da influência que os organismos internacionais exercem na saúde como formulador de políticas pode ser visto no último relatório do Banco Mundial “Um ajuste justo: análise da eficiência e equidade do gasto público no Brasil”. Repleto de inconsistências teóricas e metodológicas, com indicadores frágeis e bastante limitados na análise da realidade, o relatório sugere a necessidade da diminuição nos gastos públicos com saúde para melhora da economia do país. Tal conclusão atende aos interesses dessas instituições, que defendem a cobertura universal de saúde, a qual não reconhece o conceito de determinação social do processo saúde-doença, nem mesmo as diversas formas de privatização da saúde como prejudiciais à vida, sendo a saúde vista como investimento de mercado e não como direito.

Diante desse cenário, é crucial construirmos as lutas em defesa da saúde como direito; pelo acesso universal à saúde, com a defesa do Sistema Único de Saúde publico, estatal e de qualidade e contra seu desfinanciamento crônico; por políticas públicas que garantam os direitos sociais previstos nos artigos de nossa Constituição; e contra todas as formas de privatização e precarização da vida e da saúde.

 

A NOSSA LUTA É TODO DIA, NOSSA SAÚDE NÃO É MERCADORIA!

 

Referências:

Coordenação de Extensão Universitária (CExU) – Texto: “Como Funciona a Sociedade?“. 2015.

Coordenação de Políticas de Saúde (CPS) – Cartilha: “Instituições Financeiras Internacionais e Políticas de Saúde no Brasil“. 2017.

ALBUQUERQUE, GSC e SILVA, MJS: “Sobre a saúde, os determinantes da saúde e a determinação social da saúde“. Saúde Debate | Rio de Janeiro, v. 38, n. 103, p. 953-965, Out-Dez 2014.

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