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Nova PNAD: Religiosa, Moralista, Punitiva e Lucrativa No ratings yet.

A forma com a qual se trata a produção, o comércio e o consumo de drogas é uma das principais ferramentas de domínio dos países centrais sobre a América Latina. É, afinal, com a falida “guerra às drogas” que esses países conseguem ampliar sua influência política, militar e economicamente sobre diversos países do sul. A institucionalidade dos países periféricos segue à risca a cartilha anti-drogas do centro do capitalismo.

No Brasil, a expressão mais violenta dessa política é o encarceramento em massa e o genocídio do povo negro. Sob o pretexto de controlar o narcotráfico, o Estado age de forma arbitrária nos espaços periféricos das cidades.

Os resultados dessa política aplicada há décadas comprovam sua ineficácia. A população carcerária brasileira, que já é a terceira maior do mundo, cresce em números alarmantes ano a ano, enquanto a “indústria da droga” continua existindo.

Tal forma de pensar as drogas influencia diretamente, também, nas políticas públicas sobre o consumo de drogas. No dia 11 de Abril de 2019, o presidente Bolsonaro decretou a nova Política Nacional sobre Drogas (PNAD), que reflete diretamente a submissão do atual governo federal ao domínio ideológico estadunidense.

A nova PNAD pode ser descrita em quatro pontos importantes: seu cunho altamente religioso; a abordagem às drogas dentro de uma perspectiva moralista e infundada; a punição como elemento central na questão das drogas; e a intensificação do desfinanciamento de mecanismos do Sistema Único de Saúde (SUS) para dar mais lucro a empresários do setor religioso.

Por muitas décadas, o Brasil conferiu às pessoas em sofrimento psíquico regime de segregação e de aprisionamento nos manicômios e hospitais psiquiátricos. Milhares de pessoas foram vítimas dessa prática, denominada “holocausto brasileiro”. Embora hoje um amplo arcabouço legal e normativo impeça, taxativamente, a existência de instituições com características asilares promotoras de exclusão e de maus-tratos, é um desafio consolidar a compreensão de que violações de direitos não podem ocorrer, ainda que sob a justificativa do cuidado. E assim, lamentavelmente, são diagnosticadas as Comunidades Terapêuticas (CTs) no Brasil desde a sua criação: com massivas denúncias de maus-tratos, indícios de tortura e violações graves de direitos.

A nova PNAD vê nas Comunidades Terapêuticas o modelo de dispositivo essencial no tratamento de pessoas com uso problemático de substâncias psicoativas. Instituições que nascem no final da década de 50 nos Estados Unidos, as CTs chegam ao Brasil na década de 70 com toda força no cuidado a pessoas com uso problemático de drogas, por meio de instituições lucrativas e aparentemente progressistas em um cenário de inexistência do Sistema Único de Saúde (SUS), em que poucos tinham acesso à saúde em um país marcado por um grande abismo de desigualdade social. As CTs, hoje, podem ser definidas como instituições privadas, que não fazem parte dos dispositivos de cuidado presentes na Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), de cunho altamente religioso e moralista, com métodos de cuidado cujas evidências são frágeis – ou até mesmo inexistentes.

Ainda assim, as Comunidades Terapêuticas receberão praticamente a mesma verba que recebem os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), dispositivos que integram a RAPS e possuem eficácia reconhecida e defendida por parte dos usuários desses serviços. A verba do SUS – cronicamente desfinanciado – destinada às RAPS agora também será injetada no setor privado, que será priorizado frente aos mecanismos públicos já existentes, alimentando o bolso dos empresários em serviços de baixo custo e que não possuem nenhuma ligação com a estratégia de cuidado em saúde – e muito menos em saúde mental.

Tal política, ainda, desmonta a Redução de Danos como aposta no cuidado aos usuários de drogas e põe a abstinência como única forma de “cuidado” a pessoas que fazem uso problemático de substâncias psicoativas, negligenciando evidências da eficácia da Redução de Danos na estratégia de cuidado em saúde mental, excluindo todo o contexto que deve ser levado em consideração quando se fala do uso de substâncias psicoativas, trazendo a relação droga x pessoa como único problema que deve ser enfrentado. Assim, culpabiliza o indivíduo pela problemática e coloca o seguimento de preceitos religiosos como a cura.

Lamentavelmente não é desde agora que a saúde mental vem sofrendo ataques. O município de Cabo de Santo Agostinho, localizado no estado de Pernambuco, governado pelas dinastias empresário-religiosas, decretou a Lei Nº 3242 em agosto de 2017, lei esta que PROÍBE a instalação de centros de acolhimento para usuários de crack, álcool e outras drogas na área urbana do município. Essa iniciativa fere importantes princípios do SUS: a consideração da territorialidade em sua estruturação; o cuidado em uma lógica antimanicomial; e a preconização do cuidado em liberdade e dentro do contexto social dos usuários. Tudo isso ao mesmo tempo em que favorece as CTs, que já estão consolidadas longe de centros urbanos, na criação de um abismo entre a vida real e o usuário.

É imperativa a necessidade de dialogar sobre as drogas fora de uma perspectiva colonizada, submissa ao domínio ideológico dos países centrais sobre a América Latina. A conjuntura aponta para um avanço do irracionalismo moralista sustentado pela “guerra às drogas”. É importante trazer à tona a reflexão de quem e de onde são essas pessoas que historicamente foram segregadas e excluídas socialmente e que hoje são fonte de lucro para os grandes empresários. É preciso fortalecer a luta por um SUS gratuito, público, estatal e de qualidade!

 

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