As jornadas de manifestações pela educação pública dos dias 15 e 30 de maio ocuparam todas as capitais do Brasil e foram demonstrações massivas da força e articulação do Movimento Estudantil. Os estudantes, com o apoio dos professores, técnicos e demais trabalhadores da educação, protagonizaram um gigantesco movimento político de enfrentamento e resistência aos anúncios irresponsáveis dos bloqueios orçamentários a Institutos Federais do país, em que as ruas e praças das cidades foram tomadas pelos gritos e marchas em defesa da educação pública brasileira e do nosso futuro.
Contudo, o projeto de destruição de nossa educação capitaneado pelo Ministério da Educação avança perigosamente. No dia 17 de julho, o órgão apresentou publicamente a nova etapa do desmonte de nossas instituições de ensino: o programa Future-se. Propondo o ”fortalecimento da autonomia administrativa, financeira e da gestão das universidades e institutos federais”, trata-se de um amplo conjunto de planos designados para padronizar e organizar as políticas do MEC para as Universidades Públicas e Institutos Federais do país, baseado em fundos de investimento, parcerias público-privadas e privatização do patrimônio imobiliário das instituições. Nenhuma entidade nacional representativa dos estudantes, professores, dirigentes e demais trabalhadores das Instituições de Ensino Público – como a União Nacional dos Estudantes, o Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições De Ensino Superior e a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior – foi convidada a participar da elaboração do projeto, ou mesmo consultada previamente sobre qualquer das medidas apresentadas.
Seguindo os exemplos das políticas de privatização indireta nos serviços de saúde pública baseadas em Organizações Sociais (as OSs, a exemplo da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares na gestão de Hospitais Universitários) que a DENEM vem denunciando nos últimos anos, o Future-se pretende submeter os contratos de gestão de serviços e manutenção de estruturas nas Universidades às Organizações, ação que amplia a já existente participação do capital privado nas Instituições de Educação Pública e aponta, também, para o fim dos concursos públicos como instrumento de contratação de atuais ou futuros servidores, ferindo ainda os regimes de Dedicação Exclusiva na instituições. Isso significa o acirramento de uma política de afastamento do Estado de suas obrigações e responsabilidades dispostas em Constituição Federal, pondo em questão a garantia do direito à educação e favorecendo sua mercantilização. Nós conhecemos a influência direta das OSs no processo de sucateamento do SUS e precarização das relações de trabalho nos serviços, e sabemos que a resposta para a manutenção de nossas universidades e o futuro da nossa educação não se encontra nas mãos do capital.
Em um dos seus eixos principais – Pesquisa e Inovação – o Future-se ataca diretamente a concepção fundamental de produção de conhecimento socialmente referenciado, ou seja, a garantia do conhecimento a serviço do povo. O projeto inverte essa lógica, garantindo que, através do fortalecimento de ‘startups’ (novas empresas de base tecnológica), empresas e corporações possam financiar pesquisas e projetos científicos, subordinando o ensino superior e a produção científica aos interesses do mercado e removendo a realidade das demandas e necessidades do povo brasileiro do centro da produção acadêmica. O projeto ainda será amparado por um fundo financeiro cuja administração será inteiramente delegada a instituições financeiras, que poderão especular em bolsas de valores os recursos de financiamento da terceirização dos serviços e dos espaços em instituições. Vale ressaltar que, em meio ao pacote de desmonte, a extensão universitária (componente essencial do tripé universitário) é tema largamente ignorado e permanece às sombras de todas as outras medidas apresentadas – todos os projetos de extensão social desenvolvidos pelas instituições estão em risco com o novo programa do Ministério.
O conjunto de medidas ainda prevê a possibilidade da concessão dos direitos de nomeação de qualquer estrutura e espaço nas dependências físicas das Universidades a corporações que desejem ”rebatizar” a educação pública nacional. Até as propriedades imobiliárias da União poderão ser cedidas pelo MEC a corporações interessadas no projeto e às OSs para que possam preservar os fundos de investimentos que especulam com o patrimônio do povo. Nesse horizonte de difamação, sucateamento e venda das nossas instituições de ensino, a cobrança de mensalidades em Universidades Públicas se torna uma ameaça cada vez mais concreta na vida de todos os estudantes brasileiros, ainda que os meios de comunicação hegemônicos e oficiais procurem disfarçar a real face do desmonte via formas indiretas de privatização dispostas no programa.
Conforme a DENEM também vem denunciando, o caminho que o plano de desmonte do ensino público nacional trilha tem origem no terreno das políticas de austeridade previamente implantadas no país. Foi sob a justificativa de escassez de recursos para o financiamento das IFES que o Governo apresentou a proposta, em consonância com o compasso neoliberal dos últimos anos do planejamento econômico nacional. Expomos, ainda da apresentação e tramitação da Emenda Constitucional 95 (conhecida, na época, como ‘PEC da Morte), que a definição de um teto – com o congelamento dos investimentos, incluindo na educação, por 20 anos – para os gastos sociais no país implicaria na introdução de políticas de desmantelamento dos serviços públicos a longo prazo. Estamos diante de um dos efeitos mais dramáticos das medidas de austeridade fiscal para a nossa geração.
Em um momento crítico para o destino da educação pública brasileira, a DENEM reafirma sua defesa de uma universidade pública, gratuita e de qualidade, com políticas de assistência e permanência estudantil. Também reafirma seu compromisso com a luta pela construção de um modelo de Universidade Popular, que represente um projeto antagônico de rompimento com as formas mercantilizantes da educação e que sirva a um projeto de emancipação do povo brasileiro, considerando a realidade de nossa população como sua razão de existência e perspectiva de atuação.
Sabemos que só a luta muda a vida e, portanto, convidamos todos os estudantes a ocupar as ruas de suas cidades novamente no dia 13 de agosto, com mais um grande ato nacional em que faremos ecoar nossas vozes em defesa de nossa educação e em luta pela construção do nosso futuro!
Referências:
1 – EBSERH e Campanha Nacional em Defesa dos Hospitais Universitários
2 – Capital Estrangeiro na Saúde
3 – Crise Econômica e Saúde no Brasil: onde estamos e para onde vamos?
4 – O SUS em crise: o frágil financiamento da saúde no contexto de austeridade