Científica Conjuntura

O Desmonte da Ciência e Tecnologia Brasileira Aprofunda Nossa Dependência No ratings yet.

A CAPES – Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, é o órgão público ligado ao Ministério da Educação, responsável por coordenar nacionalmente a pós-graduação no Brasil, avaliando os programas de pós-graduação e definindo padrões mínimos para seu funcionamento. Não obstante, ela é atualmente a maior agência de concessão de bolsas de estudo e pesquisa, sendo assim extremamente estratégica para as políticas nacionais de Ciência e Tecnologia. Entretanto, acompanhando as universidades públicas federais, a CAPES vem sofrendo cortes recorrentes no seu orçamento a partir de 2015 e que se aprofundaram com a atual gestão. [1]

Ao longo de 2019, as medidas de austeridade de cunho neoliberais aplicadas ao MEC e à CAPES resultaram no corte líquido de cerca de 8.000 bolsas de pós-graduação, por meio de diversos movimentos de “bloqueio”, “congelamento” e devolução parcial das bolsas, sustentados por um discurso de mérito em relação das notas dos programas de pós-graduação na avaliação periódica promovida pela CAPES [2]. Já carregando os prejuízos das milhares de bolsas cortadas e até hoje não reavidas, 2020 ainda se inicia com um orçamento menor que o de 2019, sobretudo no tocante às bolsas de estudo. [1]

Todavia, a C&T brasileiras sofreram um ataque ainda maior com a chegada das recentes portarias  nº 18, 20, 21 e 34 em fevereiro e março de 2020, justamente no momento de transição em que os programas de pós-graduação se encontram, com a chegada de novos pós-graduandos. Tais portarias definem um novo modelo de concessão de bolsas da CAPES para a pós-graduação, anunciado pela gestão como inédito e inovador, ao contrário de todas as claras problemáticas que tal modelo apresenta. [3]

Primeiramente, as portarias nº 18, 20 e 21 definem um quantitativo inicial de bolsas para cada programa, em cada uma das três áreas (Colégio de Ciências da Vida, Colégio de Humanidades e Colégio de Ciências Exatas, Tecnológicas e Multidisciplinar), de acordo com sua respectiva nota na Avaliação Quadrienal, ficando definido que programas com menor nota possuem menos bolsas inicialmente, enquanto que programas com maior nota possuem mais. Em seguida, esse quantitativo inicial é alterado por dois fatores, o fator IDHM (Índice de Desenvolvimento Humano Municipal) do município onde o programa está instalado e o fator titulação média, com a justificativa de corrigir as distorções no atual sistema, privilegiando os programas de maior “mérito” e em locais que teriam maior demanda de desenvolvimento.

Dessa forma, é estabelecido pelas portarias que programas instalados em municípios com menor IDH são beneficiados, enquanto que programas em municípios com IDH mais alto não são afetados. O fator titulação média coloca que os programas são beneficiados conforme titulam (ou seja, formam mais mestres e doutores) acima da média nacional, num intervalo de tempo. Dessa forma, a aplicação desses fatores sobre o quantitativo inicial resulta nas bolsas que o programa deve receber. [3]

Entretanto, algumas contradições aparecem logo de início, como o fato de que há uma concentração de programas com notas mais baixas (os quais já possuem um quantitativo inicial menor, pelo novo modelo) nas regiões Norte e Nordeste, que também concentram os menores IDHM (supostamente sendo bonificados por isso), enquanto que os programas com notas mais altas e os maiores IDHM estão majoritariamente no eixo Sul-Sudeste, ou seja, mesmo sendo beneficiados com um maior quantitativo inicial, seus IDHM compensam “negativamente”, limitando a cota de bolsas a ser recebida [4] [5]. Simulações com os dados que temos atualmente indicam que esse modelo pouco beneficiará os programas, pelo contrário, ao passo que a combinação desses dois fatores gera uma diminuição da quantia de bolsas para uma parcela razoável dos programas, e são poucos aqueles que estão habilitados para receber mais bolsas, de acordo com esses critérios. [6] Uma análise mais simples e global da Associação Nacional dos Pós-Graduandos – ANPG, já indica que o modelo resultaria num corte de mais de 20.000 bolsas de pós-graduação, dentre as  cercas de 80.000 concedidas atualmente (sem contar as já cortadas em 2019). [7]

Somado a isso, a portaria nº 34 vem com o propósito justamente de acelerar as perdas para o Sistema Nacional de Pós-Graduação, definindo, de acordo com a nota de cada programa, um limite de corte e um teto para o acréscimo de bolsas (comparando a quantidade de bolsas atual de um programa e a quantidade futura, de acordo com os multiplicadores do novo modelo, um programa perde bolsas caso tenha hoje uma quantidade maior do que a calculada pelo novo modelo, e ganha caso tenha uma quantidade menor). Assim, para os dois extremos da escala, programas de nota 3 (nota mínima para funcionamento), podem ter redução de até 50% das sua cota de bolsas e não podem ter acréscimo, enquanto que programas nota 7 (nota máxima), podem ter redução de até 20% e não possuem teto para acréscimo (com o qual não se pode contar, dada a redução no orçamento). [3]

Por fim, alguns pontos podem ser estabelecidos. O modelo proposto como inédito não corrige as desigualdades regionais no Brasil e ignora a expansão do Ensino Superior (principalmente o público) e consequentemente da pós-graduação, com muitos programas novos e em consolidação, que não tiveram o tempo e o investimento suficiente para prosperarem segundo os critérios da avaliação periódica da CAPES. Indo na contramão, o governo federal desfinancia não somente o Sistema Nacional de Pós-Graduação como um todo, mas em especial tais programas em consolidação. Ademais, aponta-se para um ciclo vicioso de perda de bolsas, ao passo que o subfinanciamento prejudica o desempenho que é exigido dos programas,  resultando em piora na avaliação e consequente diminuição do quantitativo inicial das bolsas.

Essas atitudes institucionais nos demonstram, reforçando, o local reservado ao Brasil como país capitalista dependente periférico. Expondo nosso papel subalterno na construção do conhecimento e desenvolvimento da tecnologia a nível mundial, assim como também a ausência de um horizonte no qual o Brasil deixaria de ocupar tal posição frente ao sistema econômico global. Nos restando, dessa forma, sermos bons vendedores de matérias primas, fazendo parte da base da cadeia produtiva capitalista, exportando resultados científicos incipientes e importando produtos provenientes das nações capitalistas centrais. A partir disso, entendemos que o desenvolvimento da ciência e da tecnologia se faz, também, através das disputas de seu rumo, nos colocando ao lado dos setores que prezam por um desenvolvimento baseado nas necessidades da classe que tudo produz, a classe trabalhadora.

 

 

REFERÊNCIAS:


[1]: Orçamento – Evolução em reais. CAPES. Acesso em 07/05/2020.

[2]: Notícias sobre os cortes de bolsas da CAPES ao longo de 2019:
RODRIGUES, Mateus. Capes diz que 3.474 bolsas sofrerão ‘bloqueio preventivo’ e que outras 1.324 serão reabertas. TV Globo. Acesso em 07/05/2020.

RODRIGUES, Mateus. Capes anuncia novo corte de 2,7 mil bolsas de mestrado, doutorado e pós-doutorado. TV Globo. Acesso em 07/05/2020.

CARVALHO, Letícia. Capes corta 5.613 bolsas a partir deste mês e prevê economia de R$ 544 milhões em 4 anos. G1. Acesso em 07/05/2020.

RODRIGUES, Mateus. MEC anuncia desbloqueio de 3.182 bolsas de pós-graduação de cursos com alta avaliação. G1. Acesso em 07/05/2020.

BORGES, Nicole. MEC anuncia a liberação de 679 bolsas de pós-graduação. G1. Acesso em 07/05/2020.

[3]: Portarias nº 18, 20, 21 e 34 da CAPES:
Portaria nº 18, de 20 de fevereiro de 2020. CAPES. Acesso em 07/05/2020.

Portaria nº 20, de 20 de fevereiro de 2020. CAPES. Acesso em 07/05/2020.

Portaria nº 21, de 26 de fevereiro de 2020. CAPES. Acesso em 07/05/2020.

Portaria nº 34, de 9 de março de 2020. CAPES. Acesso em 07/05/2020.

[4]: ver distribuição por “nota”:
Distribuição de programas de pós-graduação no Brasil (2018). GEOCAPES/CAPES. Acesso em 07/05/2020.

[5]: Mapa do IDHM para o Brasil, de 2010:
Mapa do IDHM para o Brasil (2010). PNUD. Acesso em 07/05/2020.

[6]: Ver simulação, gráficos e análise da implantação do novo modelo de concessão de bolsas, pelos profs. Alexandre Diniz Filho (UFG) e Paulo Inácio Prado (USP):
DINIZ-FILHO, J. A. F.; PRADO, P. I. Perdas e danos… . Ciência, Universidade e outras ideias (blog). Acesso em 07/05/2020.

[7]: Análise feita pela ANPG – Associação Nacional dos Pós-Graduandos:
COLOMBO, Gabriel. MODELO INÉDITO DA CAPES RESULTARÁ NO CORTE DE MILHARES DE BOLSAS DE PÓS-GRADUAÇÃO. Associação Nacional dos Pós-graduandos (artigo). Acesso em 07/05/2020.

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