Conjuntura Educação e Saúde Estudantes em luta pelo SUS e para além do SUS Pandemia COVID-19 Políticas de Saúde

32 Anos de SUS e a COVID-19 no Brasil Uma Visão Geral Sobre Saúde Pública no Século XXI em Tempos de Crise Global – Parte 2 No ratings yet.

Tendências do Sistema de Saúde Brasileiro

na pandemia da COVID-19

 

O Circo Brasileiro na COVID-19: quem anda na corda bamba para equilibrar o SUS e a democracia?

No picadeiro brasileiro, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) se equilibra na longa corda bamba da crise política, sanitária e econômica brasileira, a fim de respirar em meio a um ilhado governo que, segundo dados Datafolha, tem rejeição nacional de 43%, com base fixa de 33% [25], o que evidencia o caráter insustentável em suas políticas de governo e atitudes presidenciais, efetivando uma polarização assimétrica da opinião pública conforme sua popularidade cai no Brasil. Na mão da crise global sanitária, o Brasil segue atrás apenas dos EUA no número de óbitos pela COVID-19 nas Américas, com mais de 400 mil infectados e ocupa o 2o lugar no ranking mundial de países com mais casos confirmados [26]; no mundo são mais de 5 milhões e meio de infecções pelo novo coronavírus, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). [1]

A fim de iniciar a discussão para a compreensão do contexto nacional no qual a pandemia se encontra ao atingir o Brasil no fim de março/2020 , alguns elementos são essenciais ao debate inicial. Assim, analisamos um país extenso de dimensões territoriais continentais – com imensas desigualdades regionais historicamente constituídas (e jamais reparadas) – com mais de 209 milhões de habitantes, sendo uma nação tão diversificada quanto desigual em si. O Brasil tem sua economia conforme os parâmetros de divisão de produção em termos globais de cunho dependente e agroexportador de matérias-primas e commodities da dita Divisão Internacional do Trabalho (DIT), entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos.

Segundo a Teoria Marxista da Dependência (TMD), a dependência surge no contexto de um sistema mundial de base socioeconômica capitalista, no qual um grupo de países têm suas economias condicionadas pelo desenvolvimento das economias de outros grupos de países, os quais estão submetidos pela dinâmica do comércio internacional, com desequilíbrio e déficit entre o que exportam (commodities) e o que importam (industrializados). Porém, de forma a compensar esse desequilíbrio, os capitalistas lançam mão do aumento da exploração dos trabalhadores, que pagam o ônus da troca desigual, já que a restrição de seu consumo não configura empecilho ao patrão, cuja acumulação de capital depende do mercado externo. Desse modo, a conta pesa mais aos trabalhadores dos grupos marginalizados, oprimidos e extintos historicamente nessa sociedade – povos indígenas, negros e mulheres [2].

A partir disso, sabendo que o processo saúde-doença é determinado pelo lugar que o indivíduo ocupa dentro da estrutura da sociedade que vive [3], e conhecendo o acúmulo cultural e a histórica colonização do país, entendemos, portanto, a importância e a necessidade da garantia do direito à saúde.

Assim, a garantia é assegurada pela Constituição “Cidadã” de 1988 após período de redemocratização do Brasil, com o respaldo em lei pelo Artigo 198 de um sistema de saúde de acesso universal; público; estatal; 100% gratuito e de qualidade à população brasileira.

Entretanto, vimos que o Sistema Único de Saúde (SUS) sofre ataques neoliberais massivos desde sua implementação – com seu subfinanciamento crônico e o caráter liberal de saúde complementar dado à iniciativa privada – além do desmascarado e assumido desmonte, sobretudo após aprovação da Emenda Constitucional 95/2016 (PEC da Morte) no governo golpista de Michel Temer (2016-2018). Desse modo, há 32 anos o SUS se equilibra na corda governamental e, no circo brasileiro de 2020, pode se desequilibrar sem ninguém para segurá- lo.

A epidemia nacional da COVID-19 explana a transparência da frágil e ameaçada democracia brasileira a qual se fantasia de palhaço com as declarações do atual presidente, Jair Bolsonaro. Desde o início da pandemia (março 2020) no Brasil, o chefe do Executivo minimiza os impactos da pandemia, declarando que “não é tudo o que dizem” e “é uma histeria“, chegando a chamar de “uma gripezinha“, duvidando publicamente acerca do número de mortos no estado de São Paulo (SP) devido a COVID-19. Além disso, menospreza e ironiza a mortalidade no Brasil do novo coronavírus com frases do tipo: “não sou coveiro” e “e daí?” ao ser questionado pela imprensa nacional sobre o número de óbitos/dia no território.

Em 7 de maio de 2020, o renomado periódico científico The Lancet publicou um editorial que indica o presidente Jair Bolsonaro como a maior e principal ameaça à resposta brasileira no combate contra à COVID-19 no Brasil [6].

Ademais, contrariando as recomendações da OMS acerca do isolamento social e aglomerações, o presidente do Brasil divulgou, no dia em que alcançamos mais de 10.000 óbitos pela COVID-19, a feitura de um churrasco no Palácio da Alvorada (DF) para 30 convidados, satirizando, como em um picadeiro governamental, o número de convidados quando as críticas surgiram [4,5]. Desse modo, suas atitudes demonstram que, além de seguir à risca a insustentável velha política e a agenda neoliberal que impera mundo afora, revela que desde sua campanha presidencial (2018) possui evidente projeto fascista de Estado, apoiado por um núcleo duro e assíduo da elite brasileira, para o qual pouco importa a vida do povo brasileiro, sustentando e corroborando a necropolítica exercida pelo governo.

Na corda bamba do circo nacional, a política brasileira anda a passos leves para não cair e mostra seu show de malabarismo governamental, em 16/04/2020, quando o até então nomeado ministro da Saúde do BR, Luiz Henrique Mandetta, foi exonerado por Bolsonaro. Fato esperado, vide diversas ameaças proferidas pelo presidente, tais como: “Não tenho medo de usar a caneta, nem pavor. E ela vai ser usada pelo bem do Brasil. (…) [7]. A demissão ocorre devido às recomendações de manejo do presidente terem sido contrariadas pelo ex- ministro da Saúde Luiz H. Mandetta, uma vez que o mesmo defendeu na pasta o isolamento social horizontal para contenção e combate à epidemia da COVID-19, embasado em evidências técnico-científicas para sua ações sanitárias.

Em 20 de abril de 2020, segundo dados Datafolha, 64% da população brasileira rejeitava a exoneração de Mandetta do cargo no país [8], sendo o primeiro a deixar o antro do bolsonarismo.

Entretanto, apesar da alta popularidade nacional que Mandetta progressivamente adquiriu durante a epidemia, ofuscando o ideal político bolsonarista ao “vestir a camisa do SUS” e manter medidas de restrições sociais recomendadas pela OMS, não podemos deixar de relembrar seu total alinhamento ao projeto de Estado de cunho privatista proposto para o nosso SUS, bem como seu apoio tanto na aprovação da Emenda Constitucional 95/2016 quando era deputado federal à época quanto ao impeachment da Dilma (PT), alinhando-se ao governo golpista de Michel Temer (2016-2018) [9].

No picadeiro brasileiro, o próximo a se apresentar no circo governamental é, o médico oncologista e não mais ministro da Saúde do Brasil, Nelson Teich (saiba mais sobre: bit.ly/MandettaTeichDENEM). Assumiu o cargo designando militares para ocupação de atribuições no MS, ausentando-se da interlocução com os governos estaduais, colocando-se, assim, contrário à fila única para os leitos de UTI no país. Por fim, sustentou a política de subnotificação com a excessiva e, ainda atual, sub testagem da doença no país [10, 11 e 12]. Porém, como em um passe de mágica, em 13/05/2020, Teich deixa o cargo de ministro após se recusar em adotar as medidas de manejo da pandemia desejadas por Jair Bolsonaro, tais como flexibilizar o uso da Hidroxicloroquina no tratamento do SARS-CoV-2, além da sutil disputa de narrativas acerca do isolamento social no Brasil. Afirma, ainda, que conciliar os pedidos de intervenção do presidente com a realidade dos impactos da COVID-19 no Brasil é difícil e quase impossível, com “incapacidade em enxergar à frente” [13].

Nesse contexto, a política fascista possui o papel de equilibrista e se resulta em um cenário de grande instabilidade política, sanitária e econômica enfrentada pelo país em plena vigência de uma grave epidemia nacional, sem medidas responsáveis e coerentes com a realidade da população brasileira e com o nosso SUS.

Portanto, com a saída de Teich do MS, em 15/05/2020, o malabarista Jair Bolsonaro indica o décimo militar ao governo para assumir a pasta de maneira interina, sendo o general Eduardo Pazuello o terceiro e novo ministro interino da Saúde durante a epidemia, sem formação médica ou tampouco de defesa pelo SUS [19, 20]. Com a escolha do general, o Governo Federal passa a ter 45% dos ministérios ocupados por militares; um número maior do que 3, dentre os 5 governos vigentes na Ditadura Militar no Brasil (1964-1985) [19].

Pazuello antes cotado como sucessor de Teich na saúde, quando assume, logo flexibiliza, em 20/05/2020, – a droga protagonista do entrave político de seus antecessores com Bolsonaro – a aprovação do protocolo do uso da Hidroxicloroquina para tratamentos em casos leves como uma medida política [22], reafirmando o alinhamento aos desejos presidenciais, uma vez que o presidente defendia a cloroquina com um discurso político extremista e satírico ao dizer: “Quem é de direita toma cloroquina, quem é de esquerda, Tubaína” [21].

Entretanto, a OMS desiste, em 27/05, de testar a cloroquina para o tratamento da COVID- 19 [22], pois a renomada revista científica The Lancet indicou, em 22/05, uma pesquisa a qual demonstra que as drogas, Hidroxicloroquina e Cloroquina, podem estar relacionadas à maior taxa de mortalidade da doença. [23] O Brasil, mais uma vez, se encontra na contramão das recomendações, caindo em queda livre, sem a devida responsabilidade social com a vida do povo brasileiro.

Assim, apenas 2 medidas são comprovadas como efetivas na resposta à pandemia: o isolamento social horizontal e a testagem em massa para o controle dos casos, sobretudo dos assintomáticos. O Brasil, em maio/2020, ocupa a vergonhosa posição 127° do ranking entre os 167 países que realizam testagem no combate à COVID-19. O país, com mais de 200 milhões de pessoas, apenas testa casos graves e profissionais de saúde e corrobora, assim, a necropolítica que embasa o colapso do SUS devido à crise sanitária no país.

Segundo pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), hoje no Brasil para cada 1 caso confirmado, há 14 novos casos não confirmados da COVID-19 [14], evidenciando a extrema subnotificação e sub testagem da doença no país. Vivemos em um cenário epidêmico de crescimento exponencial em relação ao número de óbitos/dia, ultrapassando a China (país mais populoso do mundo) 2 vezes no número de falecidos [15], somado a um número expressivo de profissionais de saúde infectados por falta de equipamentos de proteção individual (EPIs) [16] e sendo o Brasil o pior na taxa de crescimento de letalidade na curva de comparação com países da América Latina [17].

Além das severas consequências para o Brasil, um cenário político de relações exteriores de repulsa foi traçado, tendo o Brasil se tornado irrelevante na organização das estratégias de Saúde Global, até então. Assim, em 24/04/2020, foi deixado de fora da aliança global da OMS para acesso a tratamentos e vacinas em resposta à pandemia, tendo o país, historicamente, liderado o assunto na OMS para acesso a medicamentos. O Brasil foi pioneiro no início do século XXI, aliado ao governo francês, na fundação da Unitaid, um mecanismo internacional que permite o acesso a remédios aos mais pobres [18].

Desse modo, o Governo Federal não se comporta com o necessário compromisso à vida e à solidariedade nacional e global, tornando-se condizente com o genocídio sem escrúpulos de seu povo, já previsto pelo projeto fascista, agravado pela pandemia em meio a crise política do governo bolsonarista. As mais de 25 mil mortes pela COVID-19 são de responsabilidade direta das atitudes do irresponsável dono do picadeiro, Jair Bolsonaro [26].

O colapso na saúde é realidade, uma vez que o SUS se equilibra na corda bamba da privatização desde seu nascimento em intenso subfinanciamento até seu franco desmonte nos últimos anos.

No mais, considerando a população brasileira ainda mais explorada pela dependência do país na DIT, de acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o Brasil tem uma taxa de economia informal de 46% e tem seus trabalhadores informais entre os mais afetados no mundo pela COVID-19 [27] pela falta de acesso a bens, serviços e políticas públicas, não sendo possível seguir o isolamento social como recomendado, pois precisam trabalhar para sobreviver no país. Assim, o espetáculo trágico no palco do Brasil ainda não terminou. O equilíbrio para manter a democracia e o SUS depende da extensão da corda bamba da política nacional e dos malabaristas do ministério da Saúde. Afinal, quem é o palhaço, nós ou o presidente?

 

Confira o documento completo: SUS e COVID-19 NO BRASIL – DENEM 2020

 

 

 

REFERÊNCIAS:

 

1) Organização Mundial da Saúde (OMS): Relatório Situacional COVID-19. Acesso em: 29/05/2020.

2) Marini, R.M. Dialética da Dependência. Germinal: Marxismo e Educação em Debate, Salvador, v.9, n.3, pp.325-356, 2017. Acesso em: 06/05/2020.

3) Direção Executiva Nacional dos Estudantes de Medicina (DENEM). Sobre Saúde e Sociedade: mas afinal o que é Saúde? 2019. Acesso em: 08/05/2020.

4) Notícia: Declarações de Bolsonaro minimizando coronavírus diante de escalada de mortes. Acesso em: 08/05/2020.

5) Notícia: Contrariando recomendações da OMS, Bolsonaro diz que fará churrasco para 30 convidados no sábado. Acesso em: 08/05/2020

6) Editorial. The Lancet, v.395, iss. 10235, p.1461, may 09,2020. Acesso em: 09/05/2020.

7) Notícia: ‘Vai chegar a hora deles’: Bolsonaro ameaça usar ‘caneta’ contra membros do governo. Acesso em: 08/05/2020.

8) Notícia: 64% avaliam que Bolsonaro agiu mal ao demitir Mandetta. Acesso em: 08/05/2020.

9) Notícia: Em meio à pandemia da Covid, Bolsonaro exonera Ministro da Saúde. Acesso em: 08/05/2020.

10) Notícia: Teich exonera servidores e muda equipe do Ministério da Saúde em meio à epidemia. Acesso em: 08/05/2020.

11) Notícia: O começo enrolado de Nelson Teich no Ministério da Saúde. Acesso em: 08/05/2020.

12) Notícia: Com espera para UTI em vários Estados, Teich diz que discutirá fila única com privados quando o SUS chegar “no limite”. Acesso em: 08/05/2020.

13) Notícia: Teich diz que país combate covid-19 com “incapacidade de enxergar” à frente. Acesso em: 26/05/2020

14) Estimativa Casos de Covid-19 FMRP-USP. Acesso em: 09/05/2020.

15) Notícia: Covid-19: Brasil passa o dobro de mortes da China; 751 confirmadas em 24 h. Acesso em: 09/05/2020.

16) Notícia: Coronavírus: Brasil tem 6 mil profissionais de saúde infectados por falta de EPIs, diz associação. Acesso em 09/05/2020.

17) Notícia: Brasil tem pior taxa de crescimento da letalidade por covid-19 da América do Sul, diz estudo. Acesso em: 09/05/2020.

18) Notícia: Brasil é deixado de fora de aliança sobre acesso a tratamentos na OMS. Acesso em: 09/05/2020.

19) Notícia: General Pazuello: Saiba quem é o novo ministro interino da Saúde. Acesso em: 28/05/2020

20) Notícia: https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2020/05/15/interna_politica,8 55164/saiba-quem-e-o-general-eduardo-pazuello-que-assume-interinamente-a-sa.shtml Acesso em: 28/05/2020

21) Notícia: ‘Quem é de direita toma cloroquina, quem é de esquerda, Tubaína’, diz Bolsonaro sobre liberação. Acesso em: 28/05/2020

22) Notícia: Ministério da Saúde libera cloroquina para todos os pacientes com coronavírus. Acesso em: 28/05/2020

23) Notícia: OMS desiste de testar cloroquina em tratamento de Covid-19. Acesso em: 28/05/2020

24) RETRACTED: Hydroxychloroquine or chloroquine with or without a macrolide for treatment of COVID-19: a multinational registry analysis, 22 de maio de 2020. Acesso em: 28/05/2020

25) Notícia: Rejeição a Bolsonaro bate recorde, mas base se mantém, diz Datafolha. Aceso em: 28/05/2020

26) Notícia: Covid-19: Brasil registra recorde de novos casos em 24h; 67.860 infectados no período. Aceso em: 29/05/2020

27) Notícia: Trabalhadores informais no Brasil estão entre os mais afetados no mundo, diz OIT. Aceso em: 29 /05/2020

Please rate this

Você também pode gostar...

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.