Extensão Universitária

COMO FUNCIONA A SOCIEDADE? 5/5 (1)

Por que estudamos a sociedade? É necessário compreender a realidade para compreender as contradições da nossa sociedade e as possibilidades de intervenção. Tentar sintetizar como funciona a sociedade em algumas linhas, porém, é um desafio. A intenção desse texto, portanto, está longe de esgotar esse assunto, mas tem como intenção trazer alguns elementos importantes para a compreensão da realidade, especialmente àqueles que de alguma forma se colocam contra as expressões de violência produzidas por essa sociedade que vivemos.

A compreensão da realidade se torna uma tarefa muito mais complicada do que pode soar como primeira intenção. Segundo Marx: “Parece correto começar pelo real e o concreto, pelo que se supõe efetivo; por exemplo, na economia, partir da população. (…) Contudo, a um exame mais atento, isso se revela falso. A população é um abstrato quando, por exemplo, deixamos de lado as classes do que se compõem. Por sua vez, essas classes serão palavra oca se ignorarmos os elementos em que se baseiam, por exemplo, o trabalho assalariado, o capital…”

Isso significa que só se é possível compreender a estruturação e organização da nossa sociedade quando conseguimos, através de elementos-chave da teoria marxista e de um conhecimento histórico superar o imediatismo concreto e enxergar as abstrações que permeiam as relações humanas. Não se trata de negar o material, perceba: mas lê-lo com através de lentes teóricas.

Como ponto de partida, podemos constatar que a sociedade em que vivemos é uma sociedade em que cada vez mais aumenta-se o número de trabalhadores. Segundos dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no início dos anos 90 eram 1,3 bilhão de trabalhadores assalariados, esse número subiu para 2,7 bilhões em 2010. Se esses números expressam as relações de trabalho assalariado, podemos pensar que o número de trabalhadores é muito maior, considerando as relações não assalariadas existentes. Somos muito além de 2,7 bilhões e a cada dia esse número aumenta.

O trabalho na nossa sociedade é, em grande parte, um trabalho “livre” assalariado, baseado na exploração econômica. Falamos de exploração econômica porque as relações de produção se dão da seguinte forma: o trabalhador vende a sua força de trabalho aos donos dos meios de produção, em troca de um salário. Temos, então, uma sociedade baseada na propriedade privada dos meios de produção. Porém, este trabalhador que produz um dado valor em mercadorias, já descontados os custos de produção, recebe um valor muito menor daquilo que ele produziu, constituindo o conceito de “mais-valia”, que garante o lucro do patrão.

Nessa sociedade, o próprio trabalho humano é transformado em mercadorias. Não só o trabalho, mas também a alimentação, a educação, a saúde, a moradia, ou seja, todas as necessidades vitais e essenciais à vida passam a ser mercadorias. As pessoas precisam pagar para viver, e para isso vendem sua força de trabalho. Chamamos esse processo de mercantilização da vida ou reificação. Por outro lado, as mercadorias acabam ganhando vida, ganhando mais valor que o próprio trabalho humano e a própria vida humana. Isso é o que chamamos de fetichismo da mercadoria.

Vimos, portanto, que nossa sociedade é uma sociedade baseada nas propriedades privadas dos meios de produção, na exploração econômica e, ainda, uma sociedade fundamentalmente organizada em função da produção de mercadorias. Como resultado, constatamos aquilo que é evidente: uma sociedade em que muitas pessoas trabalham, para que poucas pessoas se enriqueçam. Há uma estimativa que 500 família no mundo detém 1/5 do PIB mundial, enquanto que 2/3 do planeta vive na pobreza ou na miséria plena. O que mais assusta é a observação de que nas últimas décadas o capital se concentrou ainda mais nessas poucas famílias: aqueles que mais detém, mais enriquecem; em contrapartida, aqueles que menos detém, tornam-se sucessivamente mais pobres. É uma balança injusta, em que para poucos enriquecerem, muitos permanecem na periferia das mínimas condições de vida.

Essas contradições do modo capitalista são insustentáveis à vida humana. Mas por que ainda aceitamos essas contradições como se fossem naturais? Isso ocorre pois existem mecanismos ideológicos, os quais são controlados pela classe dominante, que tem por objetivo sustentar a sociedade capitalista, através da política, religião, educação, mídia, entre outros mecanismos. Aqueles que detêm o poder político-econômico tornam a máquina estatal um mero instrumento de realização de seus objetivos, fazendo com que a superestrutura do Estado fique à mercê de seus interesses. A ideologia é o meio usado pela burguesia para justificar sua dominação, tornando como valores universais os seus próprios valores, promovendo a alienação, atenuando os conflitos da luta de classe.

Em seu livro, “Convite à Filosofia”, Marilena diz que existe uma dupla alienação: “por um lado, os homens não se reconhecem como agentes e autores da vida social com suas instituições, mas, por outro lado e ao mesmo tempo, julgam-se indivíduos plenamente livres, capazes de mudar suas vidas individuais como e quando quiserem, apesar das instituições sociais e das condições históricas. No primeiro caso, não percebem que instituem a sociedade: no segundo caso, ignoram que a sociedade instituída determina seus pensamentos e ações”

A sociedade burguesa se estrutura além da exploração, mas também na opressão da maioria por uma minoria. Nesse processo surgem elementos como o patriarcado, o racismo e a LGBTfobia. Como a sociedade se organiza em torno da propriedade privada, a família surge como núcleo responsável por mantê-la. É por essa razão que a mulher é vista como propriedade do homem, responsável pro garantir seus herdeiros para que esses possam ampliar as propriedades da família. Com esse pensamento, a mulher se objetifica em mero aparelho reprodutor, tendo suas possibilidades reduzidas à manutenção do lar. Não à toa, 70% dos pobres são mulheres e essas, como se tornam objetos dentro da dinâmica social, são diariamente violentadas e desumanizadas. Da mesma maneira, o racismo é responsável por causar as diferenças contrastantes entre brancos e negros, justificando a existência de uma mão-de-obra ainda mais barata e, portanto, mais facilmente explorada. Se no passado eram vendidos enquanto mercadoria, ainda hoje são vistos assim.

Com esses elementos, já é possível compreender a grande falácia quando se diz que vivemos em uma sociedade livre e democrática. Tal afirmação desconsidera tudo isso que está por trás das relações em sociedade. Somando-se a isso, temos os aparelhos de repressão do estado que tornam explícitos os limites da “democracia”. Vemos isso cotidianamento, na repressão policial às manifestações populares e, para além do símbolo policial, a própria estruturação do direito, onde a “justiça” não é neutra frente às condições materiais de cada um: são os pobres e os negros os mais privados de sua liberdade, os mais violentados pelas ferramentas institucionais.

O desafio é reconhecer essa alienação e ir além do senso comum, ou seja, transpassar o fenômeno a fim de encontrar a essência, como recomenda Karel Kosik em seu livro “A dialética do concreto”. Para esse autor, vivemos hoje numa “pseudoconcreticidade”, isto é, permanecemos na superficialidade, distantes do que é realmente essencial. Se não conseguimos refletir sobre aquilo que vemos e ouvimos, se concordamos com tudo que acontece sem questionar, ou se não avançamos para além da pseudoconcreticidade, então podemos estar vivendo de forma alienada.

Conhecer essas abstrações, que se materializam nessa realidade injusta e desumana, é passo essencial para fortalecer a organização da classe trabalhadora para a superação dessa sociedade. É uma tarefa de todos ampliar o olhar para as ferramentas que detém a burguesia como elite e detentora de tudo que é produzido pela classe trabalhadora. Para além do olhar, a importância de denunciar e tornar visível as contradições da luta de classes.

Que tal olhar ao seu redor com novas lentes?

Yvana Hafizza Snege de Carvalho
Laís Cristine Krasniak
Coordenação de Extensão Universitária 2015

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