MEDICINA FEMINISTA? *

* Texto produzido pela Coordenação de Educação (CoE) para o 8 de Março. Publicado oficialmente no dia 2 de março de 2021.

Hoje as mulheres representam 46,6% dos médicos no Brasil, sendo que, 30 anos atrás, a porcentagem era de 30,8% – o que evidencia a feminização da profissão. Lembremos, porém, que há séculos as mulheres do campo e cidades eram a maioria em profissões do cuidado: éramos parteiras, fomos enfermeiras.

Mulheres pretas eram divididas entre as lavouras e o cuidado com a casa e filhos dos seus escravizadores. Enquanto isso, brancas reivindicavam o direito de trabalhar e sair sem precisar da companhia de um homem. Há recortes de raça e classe interseccionalizados às violências de gênero, conforme pontua Angela Davis em seus escritos. 

O próprio conhecimento sobre a saúde das pessoas com útero e mamas foi construído em cima de sangue de pretas, usadas para experimentos realizados por homens. Modificaram totalmente a forma de parir e acrescentaram novos maus-tratos na medicina.

Há estudos que mostram que pretas recebem menos anestesia no parto do que brancas. Em que momento do curso isso nos foi ensinado? Ou talvez devemos nos perguntar em que momento isso não nos foi ensinado. Afinal, as escolas médicas reproduzem aspectos estruturais da sociedade, como o racismo e suas violências, através do chamado currículo oculto.

Apesar de avanços trazidos pela Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PNAISM), há um abismo entre o que preconiza o Ministério da Saúde e o que nos é ensinado na prática. Do exame de toque ao preventivo, das relações sexuais ao parto, a prática preceptoriada reproduz o que foi estabelecido por homens. Os discentes aprendem a partir da dor e muitas vezes a perpetuam. De utilizar sabão no espéculo, na falta de vaselina, a estudar por livros e artigos masculinos de cesaristas e induzir o parto de forma inadequada. As disciplinas de Ginecologia e Obstetrícia continuam muito voltadas para saúde reprodutiva, não para a sexual. Não há preparo para o cuidado em saúde das mulheres que fogem ao padrão da cis-heteronormatividade.

Nesse 8M, que não apenas celebremos mais mulheres na medicina, mas também façamos a reflexão sobre como construir uma educação e prática médicas verdadeiramente feministas.

 

REFERÊNCIAS:

  • SCHEFFER, M. et al., Demografia Médica no Brasil 2020. São Paulo, SP: FMUSP, CFM, 2020. 312 p. Disponível em: <https://www.fm.usp.br/fmusp/conteudo/DemografiaMedica2020_9DEZ.pdf>. Acesso em: 28 fev. 2021.
  • MINISTÉRIO DA SAÚDE. Política nacional de atenção integral à saúde da mulher: princípios e diretrizes Brasília: Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas, 2004. 82 p. Disponível em: <https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_nac_atencao_mulher.pdf>. Acesso em: 28 fev. 2021.
  • PAIVA, Marcelo Rubens. Pretas recebem menos anestesia. O Estado de São Paulo, São Paulo, 09 de abril de 2011. Disponível em: <https://cultura.estadao.com.br/noticias/geral,pretas-recebem-menos-anestesia-imp-,703837>. Acesso em: 28 fev. 2021.
  • DENEM. Cartilha Trote e Currículo Oculto: a formação médica para além do que se vê. 2015. Disponível em: <https://www.denem.org.br/wp-content/uploads/2017/01/Cartilha-Trote-e-Curr%C3%ADculo-Oculto-CoCult.pdf>. Acesso em: 28 fev. 2021.
  • DENEM. Live Feminização da Medicina 2020. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=ybkbGIiPte4&feature=youtu.be>. Acesso em: 28 fev. 2021.